Um basta na guerra do trânsito
Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreender o que, num dado momento, ele está sentindo. Decisiva para afastar a espécie humana da barbárie ” embora não plenamente “, recorro à empatia para propor uma reflexão inadiável, ainda que dolorosa. Convido o leitor a se ver no lugar de pais que perdem filhos prematuramente; não por fatalidade, mas vítimas da negligência em relação à vida. O descaso indutor de tamanho sofrimento aqui se apresenta pela soma entre bebida alcoólica, trânsito e impunidade.
Já foi dito que, no Brasil, se uma pessoa premedita matar um desafeto, a maneira mais segura de chegar a esse objetivo é dando um jeito de o atropelar. Nefasta e desprovida de qualquer humor, tal lógicase ampara em fato: autores de homicídios no trânsito costumam se esbaldar na mais completa impunidade. Um descalabro que viceja mesmo na presença do agravante de o motorista, no cenário da tragédia, encontrar-se embriagado, o que favorece uma relação causal inequívoca.
Nesse ambiente de impunidade, é motivo de satisfação que a presidente Dilma Rousseff tenha sancionado, ao fim de 2012, o projeto de lei que tornou mais rígida a lei seca. Pela norma agora em vigor, passam a ser válidas como provas de que o condutor estava alcoolizado, no bojo de um processo criminal, “exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova admitidos em direito”, além do teste do bafômetro ou do exame de sangue, anteriormente as únicas aceitas. O novo texto também dobra o valor da multa ” de R$ 957,70 para R$ 1.915,40 “,
importância sujeita a ser outra vez duplicada se o motorista tiver cometido igual infração nos 12 meses anteriores.
Entretanto, perdura a leniência jurídica no longo ” e raro ” caminho de levar um homicida sobre rodas a de fato responder à altura da dor que infringe. Transformar essa realidade é a força motriz da campanha Não foi acidente, criada por Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã em São Paulo, atropeladas por um carro em alta velocidade, cujo motorista estava completamente embriagado, segundo o depoimento de testemunhas.
A campanha vem recolhendo assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que, na prática, luta contra a impunidade reinante na guerra sobre rodas em que o Brasil vive imerso. Pela proposta, o crime de trânsito continuaria como homicídio culposo; porém, a pena aumentaria caso fosse provada a embriaguez do motorista, indo de cinco a nove anos de reclusão. Atualmente, se o condutor for réu primário, pode pegar de dois a quatro anos de prisão, pena passível de ser convertida à prestação de serviços comunitários ” o que ocorre usualmente, na proporção direta da condição financeira e social do acusado.
Por intermédio da campanha Não foi acidente, o projeto de iniciativa popular já amealhou quase 800 mil assinaturas, pouco mais de 60% do necessário para que chegue à apreciação do Congresso Nacional. Apesar do apoio da mídia, a meta de efetivamente punir quem promove a morte porque admitiu dirigir bêbado ainda está longe de se tornar realidade. A pergunta que deveria soar em nossas mentes e nossos corações é tão simples quanto grave: por quê”
O Brasil é o quarto colocado no ranking mundial de mortes no trânsito, com uma média de 43 mil vítimas por ano. Essa realidade macabra levou a ONU a solicitar do governo federal, como um pacto, a redução desse número à metade até 2020.
Num cenário utópico, campanhas educativas até teriam chance de atingir meta tão ambiciosa. Porém, as estatísticas demonstram a incapacidade da persuasão no sentido de atenuar a guerra sobre rodas nas ruas e estradas brasileiras. Os fatos revelam que, sem o rigor da lei, a tendência é de continuidade do desrespeito a algo insubstituível, o bem mais valioso, sobre o qual não se pode contemporizar: a vida humana.
Laércio Oliveira – Deputado federal (PR-SE), é autor
do Projeto de Lei nº 4.408/2012, que dobrava o valor da multa para o
condutor em estado de embriaguez, apresentado antes da aprovação das
novas regras para a lei seca