É preciso apoiar os diversos setores que se encontram no “grupo de risco”
Laércio Oliveira (*)
A crise econômica brasileira vivida em nossos dias se apresenta inovadora em relação a outras, anteriores. Ao contrário de um dano generalizado, a pandemia de covid-19 impactou em variados graus os diferentes setores produtivos. Enquanto alguns viram inclusive sua receita crescer nesse período; outros foram dizimados pela interrupção de suas atividades, isso já no primeiro período de lockdown, no ano passado.
Um ótimo exemplo está na situação dos melhores comércios eletrônicos articulados com logística eficiente, como o emblemático Magalu (Magazine Luiza), cujas ações na Bovespa subiram mais de mil por cento nos últimos anos. Ou mesmo uma pequena empresa de Aracaju que atuou com delivery ágil e uma plataforma de relacionamento com os clientes devidamente registrados e identificados nos seus arquivos. Estes certamente superaram as dificuldades impostas pela crise sanitária, ainda que tivessem suas lojas físicas fechadas durante um período.
Mas, do outro lado da corda, há setores – em especial nos nichos de micro e pequenas empresas – esmagados pelo impedimento de trabalhar por força de lei. O que dizer à mãe de família que atua em transporte escolar de crianças? Como orientar o empresário que dedicou sua vida a ofertar uma creche de qualidade e que não tem mais como trabalhar? Como consolar o trabalhador da economia criativa que vive de pequenas apresentações musicais ou de eventos festivos? Como sobreviver com um salão de festas ou uma pré-escola sem autorização para funcionamento? Estes são exemplos apropriados do efeito desigual do lockdown sobre os diferentes nichos de negócios, desde os que são obrigados a fechar suas portas aos impedidos de prestar os serviços que são suas atividades fins.
Devemos todos entender esse cenário e agir decididos no combate à desigualdade e à perversa transferência de renda decorrente. Existe uma expressão aristotélica, segundo a qual “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”. Portanto, para explicar o princípio da igualdade é preciso considerar as variantes das especificidades de cada caso, o que não deveria ser tarefa difícil, uma vez que já assim o fazemos nos condicionantes epidemiológicos de classificação do conhecido grupo de risco de pessoas físicas.
O que propomos é que esse critério seja estendido às pessoas jurídicas. Como dito, a crise se reflete com impactos desiguais entre as naturezas das diversas atividades econômicas. Assim, o ideal seria identificar os setores mais vulneráveis – alguns já citados acima – e protegê-los por meio de políticas públicas e ações afirmativas capazes de auxiliar a sobrevivência dos mais afetados.
O fato é que ninguém podia prever o panorama em que mundo se encontraria mergulhado a partir da pandemia de covid-19, muito menos a duração da crise – nos aspectos de saúde, sociais e econômicos. Não faz parte do risco inerente à atividade empresarial ser proibido de funcionar, especialmente por um longo período. Não é justo ter que pagar IPVA, seguro, licenciamento e até financiamento bancário de uma van adaptada para transportar crianças impedidas de frequentar a escola ou qualquer outra atividade coletiva, voltando ao exemplo já dado.
O governo federal anunciou que vai lançar em breve um programa de adiamento, refinanciamento e parcelamento de impostos e contribuições tributárias (Refis) para o setor de bares e restaurantes. Um dos mais prejudicados pelas interrupções de suas atividades, agrega mais de 1 milhão de estabelecimentos em todo o país, que empregam cerca de 6 milhões de pessoas. E pela informação do próprio setor, houve queda de 70% no faturamento ao longo do ano passado.
É uma medida fundamental, sem dúvida, mas existem especificidades que fizeram outros setores serem fortemente impactados pela pandemia. Nesse sentido, é preciso avançar com políticas públicas efetivas sobre o que pode ser classificado, na prática, como “grupos de risco pessoa jurídica”. Esse movimento é urgente, sob pena de, não operado, muitos chegarem a um ponto irreversível. O cruel saldo da crise já ficou claro no ano passado: fechamento de portas em vários segmentos e ampliação dos níveis de desemprego.
“Falência” é vocábulo de aplicação comum à medicina e à economia, com o mesmo significado. Em órgãos do corpo, não raro leva à morte; no meio empresarial, marca o fim de uma jornada que custou empenho, tempo e investimentos. Lutaremos para evitar que aconteça em ambos os campos.
Artigo publicado no Jornal da Cidade