Chega de impunidade para os crimes no trânsito
Recentemente tive a oportunidade de conhecer duas mães sergipanas que vivenciaram o mais extremo dos sofrimentos: a morte de um filho. As interrupções abruptas dessas vidas se deram em circunstância a lhes conferir ainda maior grau de dor. Longe de uma fatalidade, algo inevitável, esses episódios nutriram uma estatística vergonhosa que perdura no Brasil ano após ano, como nefasta tradição – a de vítimas fatais no trânsito.
O portal do excelente movimento “Não foi acidente” expõe em uma de suas páginas as histórias dramáticas de famílias que viveram a mesma situação. E faz a ressalva: “as 335 pessoas abaixo representam apenas 0.0084% das 40.000 pessoas que morrem todos os anos no Brasil, vítimas de irresponsáveis ao volante”.
O Brasil é o quarto colocado no ranking mundial de mortes no trânsito, com uma média de 43 mil vítimas por ano, um cenário cujo absurdo levou a ONU a solicitar do Governo Federal, como um pacto, a redução desse número à metade até 2020.
No ano passado, dados da Polícia Rodoviária Federal trouxeram à tona que, em 2013, 8.375 pessoas morreram e 103.075 ficaram feridas em 185.877 acidentes registrados nas estradas federais. O levantamento atestou ainda que 38.079 motoristas foram flagrados conduzindo seus veículos após a ingestão de bebida alcoólica, mas, deste universo, apenas 11.668 acabaram presos. Destaque-se que, como exposto acima, estes números se referem exclusivamente ao trânsito nas estradas federais. Saindo-se desta esfera, se chega ao número alarmante de mais de 40 mil mortes por ano.
Toda e qualquer pessoa decente reprova uma guerra. Mas o trânsito brasileiro mata bem mais e, surpreendentemente, muitos se calam diante dessa realidade. Pior, engrossam as estatísticas ao admitirem sair de uma festa, por exemplo, em estado de embriaguez e, mesmo assim, se disporem a conduzir seus veículos. A título de ilustração, na guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, 109 mil pessoas foram mortas de 2003 a 2009. Feitas as contas, se verá que nosso país vive uma guerra, só que esta tem volantes como gatilhos.
A pergunta é: até quando a impunidade hoje vigente alimentará a negligência para com a vida humana de pessoas que assumem o volante sem a menor condição de fazê-lo? Na Câmara Federal, fiz minha parte ao apresentar um Projeto de Lei que torna mais rígida a punição para pessoas que matam ao dirigir bêbadas – hoje, como se sabe, raros são os condenados e presos por isso. Se o PL for aprovado, a pena para quem provoque morte ao dirigir sob influência de álcool ou drogas será a prisão por um período de 12 a 30 anos.
Minha inspiração foi o exemplo francês. Nos últimos 10 anos, as mortes no trânsito na França caíram de 8 mil para cerca de 4 mil, mesmo com o crescimento da população e da frota de veículos. Enquanto a taxa brasileira é de 21,5 mortes para cada 100 mil habitantes, naquele país europeu o número é três vezes menor – na faixa de 6. O que construiu tais resultados foi justamente o endurecimento da legislação, aliado a campanhas de conscientização.
Para se ter uma ideia, na França, o motorista flagrado com álcool no sangue tem sua carteira suspensa por três anos. Se provocar acidente com lesões graves, é preso e pode arcar com uma multa astronômica, superior a R$ 190 mil. Além disso, nestes casos, o motorista tem a licença suspensa por dez anos. Quatro em cada dez condenações nos tribunais franceses estão associadas ao trânsito.
Não se pode contemporizar quanto à importância da vida. Na França, tornar a legislação mais rígida deu certo. Aqui, só falta a vontade política de priorizar a votação de projetos no mesmo sentido, como o que apresentei. Enquanto isso não acontece, mais e mais famílias, infelizmente, hão de chorar pelos filhos e filhas que perderam.
* Laércio Oliveira é deputado federal (SDD/SE), presidente da Fecomercio/SE e autor do projeto de lei 7178/14, que prevê prisão para o motorista embriagado que provoca acidente com vítima fatal.