O apagão ético de prefeitos
Fatos recentes demonstram que o compromisso e a ética de significativa parcela dos homens públicos no Brasil encontram-se a uma distância abissal do desejado. Essa constatação nasce do caos que muitos gestores municipais legaram a seus sucessores em Prefeituras de todas as regiões do país.
Ainda que consideradas as dificuldades financeiras em que se viram imersas as administrações, por força da queda no Fundo de Participação dos Municípios, o cenário que veio à tona na transição deste início de ano revelou um elenco de descalabros injustificáveis, em variados níveis de gravidade. O que eles trazem de semelhante é a plena expressão do desrespeito desses “administradores” ao cargo que lhes foi confiado pelo voto, sob a perspectiva de que promovessem o bem comum. Na prática, porém, desonraram a missão em nome da qual, é bom lembrar, receberam pagamento e vantagens.
Toda dona de casa sabe que, se houver menos recursos disponíveis, o primeiro passo está no corte de supérfluos. Os gestores honestos e comprometidos fazem exatamente isso. Em alguns poucos Municípios o Carnaval com dinheiro público foi cancelado este ano. Mas figuram como exceções em um universo onde festas e outros investimentos dispensáveis consomem cifras a sangrarem já agonizantes erários, enquanto saúde e educação jazem relegadas a enésimo plano.
Essa inversão de prioridades, oriunda da soma de incompetência, ganância e impunidade, produz males sociais irreversíveis, vivenciados rotineiramente pelos que só podem contar com a esfera pública para obter direitos básicos.
Uma das questões a merecer maior atenção nesse quadro caótico diz respeito à transparência nas administrações, haja vista que, em algumas Prefeituras, arquivos em papel e registros digitais de ordem financeira tomaram chá de sumiço. Houve casos em que desapareceram os computadores; em outros, os discos rígidos.
Ora, a atitude de suprimir o acesso a esses dados, por si só, já é suficiente para colocar sob suspeita a movimentação orçamentária dos prefeitos responsáveis por tal herança. E as populações cujos interesses eles representavam ” pelo que se vê, apenas teoricamente ” não devem capitular frente a tamanho absurdo. Registre-se que em algumas Prefeituras os sumiços se estenderam aos móveis em suas sedes e houve até um caso em que, pasmem, apareceu algo: um buraco com doze metros de profundidade.
Nesse contexto, a imprensa livre ganha protagonismo, ao disseminar essas informações, ao cobrar providências e, mais além, ao questionar os discursos ardilosos que certamente foram propagados por estes administradores, no apagar das luzes de seus mandatos. Um palavrório em que mentiras e meias verdades, derramadas aos ouvidos do povo, consolidam a sensação de impunidade, do vale-tudo que fez da classe política brasileira uma decepção para muitos, contra o que lutam os homens públicos verdadeiramente bem intencionados.
É preciso que as leis comecem a existir fora do papel, deixando a condição de letras mortas em que muitas se transformaram. Cabe às Câmaras Municipais fiscalizar a atuação dos prefeitos, com o auxílio dos Tribunais de Contas Municipais e do Ministério Público Estadual. Que se verifique a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo cerne delimita os deveres do administrador público. Vale lembrar que a principal regra desta lei é que o chefe do Poder Executivo só pode gastar e adquirir dívidas previstas em orçamento público e, caso ultrapasse os limites, ficará impedido de contratar tanto pessoas quanto serviços até que regularize as contas do Município.
Construir um cenário em que essa responsabilidade fiscal transponha o terreno da ficção demanda firmeza e propósito por parte de organismos como o Ministério Público, no sentido de fazer valer a justiça. Sem ela, cidadania, qualidade de vida e direitos constitucionais vão continuar no plano da utopia. Não há argumento para adiar essa correção de rumo. Mais do que administrativa ou política, ela é, em essência, humanitária.