O Senador do Emprego

O trabalho no combate à violência contra a mulher

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Laércio Oliveira (*)

Por toda a minha vida adulta, em conversas, entrevistas ou discursos, tenho expressado a convicção de que o trabalho é o único caminho para cada um concretizar as respectivas aspirações, não só em termos de segurança financeira e qualidade de vida, mas em paralelo nutrindo autoestima e fé no futuro. Creio firmemente que essa lógica se aplica a todas as pessoas, independentemente da função que exerçam profissionalmente e do extrato social em que estejam inseridas. Porém, no panorama contemporâneo, em que a violência doméstica se estabelece cada vez mais como uma chaga social, o acesso ao mercado de trabalho pode representar, para as mulheres vítimas dessa barbárie, a diferença entre prosseguir numa situação cujo extremo não raro é o feminicídio, ou romper com o ciclo de agressões e desespero no qual se encontram.

Um levantamento divulgado em fevereiro passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o Datafolha – Visível e invisível: A vitimização de mulheres no Brasil -, concluiu que, no ano referência, 2018, mais da metade das mulheres que sofreram abusos e agressões dentro de casa não chegou a denunciar os responsáveis. No universo das que decidiram fazê-lo, apenas 22,2% procuraram um órgão oficial, como a Delegacia de Defesa da Mulher; as outras 29,6% preferiram recorrer à ajuda da família, de amigos ou da igreja.
Assim, uma das conclusões do estudo é que as estatísticas da violência doméstica no Brasil não ilustram a realidade, já que – conforme se verificou – permanece subnotificada oficialmente a maioria dos episódios dessa variada ação criminosa, que abrange de ameaça à tortura psicológica; de agressão física e/ou verbal ao feminicídio. Por essa razão, o levantamento constata as dificuldades em traçar um perfil fidedigno do universo de mulheres agredidas, inclusive porque o grau de subnotificação é maior que a média entre as vítimas com escolaridade superior e, presumivelmente, também com melhor nível socioeconômico.

O estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Datafolha verificou ainda que, entre as vítimas de agressões notificadas oficialmente, o maior percentual é de mulheres que se autoidentificaram como negras – 28,4%. Logo em seguida, estão as que se declararam pardas, com 27,5%. Esse quadro, conforme os autores, corrobora a situação de vulnerabilidade desses dois grupos, o que eles associam a espaços e oportunidades precários de trabalho e a baixas escolaridade e condição socioeconômica.

Esses dados são fundamentais para contextualizar a importância das ações que vêm sendo operadas pelo Sistema Fecomércio de Sergipe, em parceria com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça, cujo objetivo central é viabilizar inserção no mercado de trabalho a mulheres vítimas de violência doméstica que contem com medidas protetivas expedidas judicialmente. O processo tem início com a capacitação profissional delas por intermédio do leque de cursos oferecidos pelo Senac e, posteriormente, encaminhando-as a potenciais empregadores através do Banco de Oportunidades Senac Carreiras.

Voltando ao que afirmei no início desse texto, qualificação voltada à inclusão no mercado de trabalho gera perspectivas capazes de transformar a vida das pessoas para melhor. Temos lutado para ampliar tal acesso às mulheres de modo geral, mas daremos prioridade, com esses convênios, àquelas que mais precisam, na condição de vítimas da violência em seus próprios lares. Muitas delas não conseguem se livrar dos agressores por não terem independência econômica e queremos ajudá-las a sair desse vínculo perverso, ao ritmo de seus desejos e escolhas. O projeto inclui ainda atividades de natureza cultural e social. Quem já experimentou sofrimento e perda de autoestima sabe que uma mão estendida em apoio e compreensão pode significar um recomeço, impulso crucial para dar a volta por cima.

Além das boas expectativas e das esperanças que esse projeto desperta em mim, há algo ainda a ressaltar: o poder de beneficiar concretamente a sociedade quando se unem representantes da iniciativa privada e órgãos da esfera pública, em prol do que é justo, do que é correto. O enfrentamento à violência doméstica – uma chaga social, repito – demanda esforços ininterruptos. O problema afeta sem distinções as mulheres de nosso país, em cujas raízes culturais infelizmente perdura o entendimento de que elas seriam “propriedades” dos homens, não indivíduos plenos de direitos. É uma percepção tão ultrapassada quanto cruel, pelos comportamentos abomináveis que alimenta. Cabe a todos nós não admiti-los.
*É presidente do Sistema Fecomércio/Sesc/Senac Sergipe e deputado federal (PP/SE).

Publicado no Jornal da Cidade

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