Tragédia da boate Kiss e até 7×1 da Alemanha afetaram empregos na indústria de fogos
SANTO ANTÔNIO DO MONTE (MG) E RIO — Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, um integrante da banda Gurizada Fandangueira acendeu um rojão na boate Kiss, em Santa Maria (RS), e causou a morte de 242 pessoas. Dez dias depois, quatro projetos de lei tramitavam na Câmara dos Deputados para restringir o uso de fogos de artifício em ambientes fechados ou vias públicas e tornar mais rígidos os requisitos para fabricá-los.
Em 10 de fevereiro do ano passado, quando o cinegrafista da Bandeirantes Santiago Andrade foi atingido por um rojão no Centro do Rio e morreu devido aos ferimentos que teve na cabeça, outros três projetos de lei aterrissaram no Congresso com conteúdo semelhante. Esse conjunto de propostas tira o sono dos trabalhadores e empresários do setor pirotécnico de Santo Antônio do Monte (MG).
Se por um lado a fabricação de “foguetes” mata e fere, por outro, é a única fonte de empregos da cidade.
“CRISE COMEÇOU COM A KISS”
Dos quase 26 mil habitantes de Santo Antônio do Monte, 2,5 mil (10%) trabalham na linha de produção de fogos. Se somados os empregos indiretos, a cifra sobe para 8 mil, nada menos do que um terço da população.
— Se esses projetos de lei passarem, se ficar mais difícil vender, fabricar ou usar fogos, vão destruir esta cidade aqui — diz o prefeito Dinho do Bráz (PSDB-MG), apontando para fora da janela de seu gabinete: — Não temos uma saída imediata. Há comércio e agropecuária. Produzimos leite. Mas o número de vagas de trabalho nesse setor não chega nem perto ao que vemos nos fogos.
— Seria horroroso para Santo Antônio do Monte — acrescenta Américo Libério da Silva, que coordena o Sindiemg, sindicato das empresas do setor. — Nossa crise começou com a tragédia da boate Kiss, passou pela morte do cinegrafista no Rio e culminou com o 7×1 do Brasil na Copa do Mundo. Apostamos alto na vitória que nunca veio. Agora, estamos vivendo um ano muito ruim, mas ainda pode piorar.
Silva conta que as empresas da cidade já estavam apreensivas com a tramitação dos projetos de lei derivados da tragédia da Kiss. Quando Santiago Andrade morreu — e os empresários constataram que o rojão de vara que atingiu o cinegrafista havia sido fabricado por lá —, o cenário piorou:
— Querem incriminar a produção de fogos quando o que houve nos dois casos (Kiss e cinegrafista) foi o uso inadequado do produto. Se as pessoas lerem atentamente as instruções de uso, não se machucam.
CHINA BENEFICIADA
O sindicato dos trabalhadores também teme a tramitação no Legislativo. Antônio Camargo, presidente do Sindifogos, diz que, “em toda família de Santo Antônio do Monte, pelo menos uma pessoa está envolvida na produção de foguetes”, e que, apesar dos acidentes de trabalho, essa é a principal fonte de emprego em toda a região.
Se ficasse mais difícil produzir, vender ou usar fogos no Brasil, o principal beneficiado seria a China. Como em outros setores, os chineses abocanham parte do mercado nacional e pretendem ganhar o Paraguai, um dos principais importadores do Brasil.
— As pessoas soltam fogos quando estão contentes, quando querem comemorar algo. Isso já é uma tradição. Não vai mudar — diz Silva.
Para defender os interesses da cidade, os trabalhadores e empresários locais apostam suas fichas no deputado federal Domingos Sávio (PSDB-MG), eleito com forte apoio da região. Sávio crê que proibir a produção de fogos seria ir contra uma tradição cultural e atenta para o impacto na economia de cidades como Santo Antônio do Monte. Ele vê outro efeito de uma possível aprovação de medidas restritivas à fabricação e uso de fogos: o incentivo à clandestinidade. Ele apoia uma lei que eleva a segurança na fabricação e comercialização de “foguetes” — proposta pelo senador Cyro Miranda (PSDB-GO).
O deputado federal Laercio Oliveira (SD-SE) também é autor de um desses projetos. Ele nega ser contra os artefatos, mas quer criminalizar a circulação deles em espaços com grandes aglomerações de pessoas. Oliveira chega a propor pena de prisão a quem for flagrado portando fogos como morteiros e espadas.
POR CRISTINA TARDÁGUILA* E CHICO OTAVIO
Jornal O Globo